Processo de Criação do espetáculo “O Sonho Vem Com O Vento” por Diviane Helena
Falar do sonho vem com o vento é algo muito profundo, é falar de uma experiência como artista e da experiência com as crianças e com os adolescentes. Não é um trabalho impessoal, muito pelo contrario, é um trabalho totalmente pessoal, que trata de pessoas, de sujeitos, de singularidades. O processo desse ano foi muito diferente dos outros dois anos. Sinto esse processo muito mais artesanal, muito mais orgânico e revelador. O processo começou no final do ano passado, quando me atentei às experiências de vida e aos elementos imagéticos que as crianças e adolescentes vinham expressando nos encontros. O desafio era criar um diálogo entre elementos da imaginação e da vida emocional de cada um deles. Então, iniciei o ano com um trabalho a partir da expressão de cada criança, sobre o que é ser criança e ser quem se é. Com isso, fui me envolvendo com vários elementos, como obras literárias (O Alfabeto dos Pássaros de Nuria Barrios e Biblioteca Manoel de Barros), compartilhando com as crianças e adolescentes e as escutando atentamente. Elas foram inventando poesias, cenas, brincadeiras, desenhos, danças e histórias. O nome do espetáculo surgiu após encontros sobre dramaturgia e a Tuane e a Isabelle criaram um texto com o título “o sonho vem com o vento” e o nome ficou. Com esse nome, outras criações vieram. Durante o processo, houveram crianças e adolescentes que expressaram sua dor, compartilharam sobre perdas significativas ou experiências traumáticas. Assim, como revelaram alegrias, realizações, sonhos. Cada vez mais se apropriando da própria singularidade. Outros elementos importantes surgiram de encontros com a equipe de artistas do projeto, nos quais trabalhamos questões relacionadas às recordações da infância de cada um. Trabalhei com cada material como se cada um deles fossem preciosidades, porque é algo que se revela ali pra você e brilha. É impossível ignorar, não passa desapercebido e é de valor imensurável. O desafio nessa etapa era integrar tantos elementos aparentemente tão diversos e criar uma linguagem que transmita o que é de cada criança, a especificidade do jeito de cada uma, e ao mesmo tempo o que é do universo da criança, como o brincar, o imaginar, o sonhar, a poesia, a invenção, os afetos, as experiências, o desejo. Algo vivo nas crianças e ao mesmo tempo, possível de ser revivido pelo adulto, afinal cada um leva sua criança em si. E me debrucei durante todo o primeiro semestre num trabalho intenso sobre memórias da infância e toda poética que isso envolve, como lembranças, imagens, sensações, laços humanos, afetos, significantes, palavras, gestos. Investigação sobre o quanto essas memórias se atualizam e ao mesmo tempo se mantém presentes, seja qual idade o sujeito tiver. O universo que é uma criança, uma frase que ela fala, uma poesia que ela escreve, algo surpreendente que acontece espontaneamente, um gesto, um olhar, uma carta que ela entrega, um desenho que ela faz, um carinho, um texto que ela cria, e é como se isso fosse nutrindo o que foi sendo gerado tanto em mim, como durante o encontro com as crianças e com os adolescentes do Alecrim. Conseguia visualizar as cenas, a encenação, mas ainda não tinha a história, não tinha a dramaturgia do espetáculo. Muitas idéias surgiram das crianças, mas a dificuldade era integrar todos os elementos em uma dramaturgia para além da encenação e que ela ampliasse o potencial cênico do trabalho. Então veio uma idéia: escrever um livro! Um livro falando da história que íamos criando nas cenas. Então, reescrevi a obra falando da história e desenhando as cenas. Depois, trabalhei com eles esse livro, na versão rascunho mesmo e é muito lindo ver o que isso move na criação e na imaginação da criança. Perceber o quanto a criação do artista, daquele que está ali – no meu caso na função de arte educadora, mas que eu chamo de artecriação – é fundamental. Então, consegui me dar conta do quanto é importante que eu também seja artista ali com eles, não que eu fique apenas passando informações, cobrando ou esperando algo deles, mas que eu também esteja envolvida nesse processo, escutando, acolhendo, questionando, compartilhando, experenciando, vivendo, criando e constantemente me reinventando com eles. O quanto isso gera movimento criativo e vitalidade nas crianças e nos adolescentes. Os personagens se construíram no processo, com cada criança e cada adolescente, num trabalho conjunto, participativo e colaborativo. Cada um dando aquilo que é seu. Eles participaram da criação de acordo com suas aptidões e disponibilidade de envolvimento. Houve quem participou da criação da encenação, da dramaturgia, um dos textos do espetáculo chamado “Libertdade” é do Thálison. Eles deram idéias para figurinos e com a ajuda do Guilherme houve quem participou da criação da maquiagem artística e dos objetos cênicos. A Dai se apropriou dos elementos da obra e criou a cenografia com a ajuda do Ney. Em parceria com os profissionais do Núcleo de Música, Tina, Shante e Joaquin, criamos quatro músicas inéditas. Escrevi as poesias e os músicos as transformaram em músicas. Como se agora essas poesias pudessem voar. As crianças e adolescentes que estão na atuação criam constantemente, vejo cada ensaio como uma nova criação. Como uma brincadeira, que a pesar de ser a mesma, gera o novo. Minha função enquanto diretora e dramaturga do espetáculo é a de integrar todos os elementos da forma mais poética e sincera, respeitando a singularidade de cada um e possibilitando que cada um se expresse e dê voz a algo de si. Criei uma obra com lacunas para que as crianças e adolescentes se revelassem nesses espaços e foi isso que aconteceu, e continua acontecendo. Algo que eu não tenho controle, não sei como vai se transformar. Um trabalho vivo e que a cada ensaio algo modifica, uma reinvenção acontece. Um trabalho que vamos esculpindo pouco a pouco. Esse ano as pessoas que vão assistir, estarão lá conosco, não serão meros espectadores, receptores, mas elas também serão convidadas a imaginar, a continuar essa história, a reescrever essa poesia. Um espetáculo sem pretensão de ser entendido, mas com convite a ser imaginado, sentido e sonhado… Diviane Helena Outubro, 2016